quarta-feira, outubro 08, 2008

Dia 56 - Podem saltar este.

Já imaginaram como seria se vivêssemos num filme?

Aviso:
Nem vale a pena começar com aquelas abstracções do género: "Ah, mas vivemos. Vivemos no filme da vida, no qual somos todos actores e blá blá blá blá blá blá blá e tenho a capacidade criativa de uma paramécia...". Não.

Hoje vou revelar-vos um projecto para uma série que escrevi quando estava na primária. Tinha visto o Dick Tracy, e no intervalo para o lanche, entre uma banana e um yogurte de morango, escrevi num lenço de papel usado o primeiro capítulo, inspirado no formato de filme de detectives dos anos 70/80/90/00/e por aí fora dado que os detectives não mudaram a sua imagem desde a descoberta do fogo. Cá vai:

"Passavam algumas horas do meio-dia de ontem. O cheiro a tabaco teimava em agarrar-se ao meu velho sobretudo, companheiro de tantas aventuras. Ela bateu à porta, mas eu não liguei. A loucura deve ter tomado conta dos nós dos dedos dela, tanta era a insistência. E no intervalo de um pulsar, parou. A porta escancarou-se,e ela apareceu.

Loira como um poste telefónico pintado de amarelo, insinuou-se contra o aparador como uma hera trepadeira com paixão por aparadores. Eu não liguei, nem lhe quis dizer que aquilo era na verdade um aquecedor. Ela percebeu, tal foi o grito.

'Mas estamos em Agosto! Ninguém tem um aquecedor ligado em Agosto' - disse, numa declaração do óbvio, só superada pela miopia das toupeiras.

Pelos vistos era Ninguém naquela tarde com bocejos de manhã de Saturno. Intempestiva como um tornado, abandonou a pose e chegou-se a mim. O cheiro de rosmaninho com toques de lavanda inundou-me as narinas quando os seus cabelos cor de sangue roçaram no meu caderno A5.

- 'Que queres? A renda é só no dia 15, e não quero mais enciclopédias, são muitas letras e faz-me confusão. Prefiro o Sudoku.' A loira com cabelos ruivos começava a irritar-me. Sub-repticiamente estendi a mão direita à gaveta da secretária, onde o toque frio da minha fiel lanterna me esperava, como sempre, como dantes.

'Vamos ao que interessa. Tenho um problema e quero que me ajudes. E porque é que tens direito a um travessão quando falas e eu não?'

- 'Cala-te.'

'Estás a ver? Isto assim não é justo.'

E então contou-me o que se passava. O marido não lhe dava atenção, desde que a trocou por uma espiga de milho no Outono de 83. Ela sabia do que eu era capaz e queria a minha ajuda.

- 'Não trato de pipocas. O açucar entranha-se-me na roupa e aquilo deixa marca. Não tens um lenç...'

Interrompeu-me a palavra com um beijo. Enrolou a língua no meio das consoantes e vogais, dando ao alfabeto uma nova ordem anárquica com sabor a hortelã. Largou-me o rosto e pregou-me um estalo que me acordou no mês de Fevereiro, nu, numa praia do Bangladesh.

- 'Colgate?'

E nunca mais fui o mesmo."

Passados alguns anos, já consigo usar mais letras do alfabeto. O meu estilo mudou um pouco, ganhei um metro mas perdi muito juízo, em compensação.

Comentários, sugestões, insultos e contacto para editar livros e ganhar milhões, é na zona aqui abaixo, sim?

Tenham medo. Muito medo.