sábado, agosto 08, 2009

Dia 70 - Da gripe e outras considerações.

Olá meus caros, como vai isso? Por aqui vai-se andando, sabem como é. Nunca pior. É como dizem, "desde que haja saúde". Pois... é isto.

Mudando de assunto, há uns minutos atrás encontrava-me deitado no sofá a ouvir um programa de jazz na televisão, quando um pensamento chocou contra mim sem meiguice, qual idoso em contra-mão na auto-estrada, e causou danos, entre os quais a vontade de partilhar algumas algaraviadas (palavra que se ajusta, porque é Verão) sobre a actualidade.

Vamos a isto, pois.

Hoje quero falar sobre a gripe. Anda tudo maluco com a gripe. Não é de admirar, é uma doença chata como o camandro que todos os anos se arranja com um penduricalho diferente para nos tramar a vida.

Apesar de tudo, eu acho que a gripe não tem culpa.
Se pensarmos bem nisto, não nutrimos grande afeição pela gripe: ora a chamamos de gripe comum, ou então é gripe aviária, agora está na moda a gripe suína ou gripe A. Resumindo (porque de momento não me recordo de mais tipos de gripe), não nos faltam títulos para a gripe, e, convenhamos, não são os mais dignos. É certo que o indíviduo afectado pelo vírus da gripe não tem, usualmente, um bom aspecto, mas daí a associarmos o caro vírus a porcos, pássaros e à primeira letra do alfabeto não é uma coisa bonita de se fazer, não senhor.

Antes que os experts na matéria se insurjam contra mim com frases do género "mas esse nome é derivado dos animais onde pela primeira vez se manifestou esta variante do vírus" ou "meu grande idiota, é assim porque foram esses bichos que passaram a doença aos homens, a não ser que o artigo que li no jornal de ontem esteja errado e o Badaró não tenha ido para a Lua com o Armstrong e o Batatinha", eu digo: Está bem, é a vossa opinião.

Mas já agora, sabem de onde se suspeita ser oriundo o vírus do HIV (VIH em português), aka SIDA? Dos "macacos verdes" africanos. E esta terrível doença que infelizmente ainda não tem cura, algo que espero sinceramente que venha a ser descoberto e salve os milhões de seres humanos afectados (momento Madre Teresa), é simplesmente chamada de SIDA. Nada de SIDA símia, portanto.

Há igualdade?
Não senhor.

E depois chegam as queixas: todos os anos há uma gripe nova, rais partam o mutável vírus. Querem saber o que eu acho?(Não) Na verdade o vírus Influenza quer apenas o nosso respeito. Ele não quer acabar num lenço de papel amarrotado no bolso das calças. Ele não deseja para ninguém ser expelido de um nariz na companhia de caloroso muco. Caso encontrasse um génio da lâmpada no seu caminho, tenho fortes suspeitas que o seu desejo não seria uma permanente transmissão de mão em mão de forma incauta e promíscua como as outras maleitas ordinárias.
E muito menos merece que, depois de lhe ser feito tudo isto, tenhamos ainda a audácia de lhe chamar nomes.

No entanto, ele persiste. Com sucesso. Digam lá quantos vírus conhecem que levem tanta gente de tamanhos, cores e sexos diferentes para a cama? E ao mesmo tempo?

De notar que não lhe desejo um nome bonito, porque também já me estragou noites que seriam bem mais agradáveis sem a sua presença. Só acho que, se o apreço mútuo é uma das chaves para a evolução humana, porque não começar por uma estrutura proteica?

Para mim és apenas uma; A GRIPE.

Tenham medo. Muito medo.

P.S.: Hoje o grande Steven Tyler caiu do palco enquanto actuava. Ao que parece não é nada de grave, mas para evitar sustos no futuro aconselho-o o álbum de 1993 - Get a Grip.

Desde que não seja a A. (trocadilho mau...)

quarta-feira, julho 08, 2009

Dia 69 - pelas baleias que cruzavam oceanos...

Hoje vou fazer uma pequena pausa nos contos do investigador (por falar nisso, está a correr bem, esperem novidades antes do fim do mundo) e vou escrever sobre outra coisa.

Não gosto de lentilhas.

O que me faz lembrar de outra coisa pela qual não nutro grande afeição (leia-se "gostaria que fosse erradicado para todo o sempre da face da terra, assim ao jeito do que aconteceu com os dinossauros quando chegou o meteoro ou lá o que foi, e qualquer das maneiras limpou com o assunto, mas neste caso em específico seria agradável que não restassem quaisquer resquícios de alguma vez ter existido tal coisa, seria um daqueles assuntos - pausa para respirar - do qual jamais se falaria nas mesas de café entre amigos, ou mesmo de pé quando se vai pagar a conta, se preferirem.". E o que é tal coisa, perguntam-se ,com ansiedade evidente nesses olhinhos mai' lindos?

É do playback.

O playback está para a música como a Peste Negra está para o sistema de saúde. Dá jeito para arranjar clientes, mas acaba mal. E o cheiro é semelhante.

Nota aos leitores constipados e/ou sem capacidade olfactiva: É algo mau. E arranjem um lenço.

Não tenho grande paciência para procurar a informação necessária para resumir a origem e história do playback, por isso vou inventar. E se concordarem com alguma coisa que eu escreva, levantem os polegares em apreço na direcção do monitor, ele agradece.

- A história do playback -

Playback nasceu nas encostas de um desfiladeiro algures num sítio longínquo, filho de um pai e de uma mãe, como manda a longa tradição de seres que nascem em desfiladeiros. Antes de aprender a andar e a usar chapéu, caiu. De cabeça.
Tinha dois irmãos, que partilhavam esse facto entre eles.

Um dia caiu-lhes uma lentilha gigante em cima. Plena de mau-feitio e com forte aroma a alho, segundo consta.

Fim.

Agora a sério(?), o playback - para não repetir incessantemente a maldita palavra vou intercalá-la com os termos "bolinhas", "bigode" e "peculato" - é usado com frequência nos programas televisivos, galas e afins. Será desnecessário dizer em que consiste, por isso mesmo vou aproveitar esse espaço para falar dos hábitos migratórios dos nossos amigos cetáceos, as baleias:

"No Oceano Pacífico, as baleias jubarte migram ao longo da costa americana até o Havaí retornando para as mesmas áreas ano após ano. Elas tendem a migrar com a troca das estações tirando proveito das águas mais quentes em direcção ao Equador durante os meses mais frios e da grande quantidade de alimento no Árctico durante os meses mais quentes. A maioria das espécies não migra regularmente em direcção ao Equador, então devem existir grupos separados de cada espécie no hemisfério sul e no hemisfério norte" - in um site que o google disse.

Voltando ao bovino frio, não é raro vermos cantores - que provaram por A mais B (haverá expressão mais estranha que esta? Decerto que sim, mas de momento ocorrem-me poucas) que sabem cantar, acompanhados de músicos - dos quais se consta que possuem alguma habilidade a tocar o seu instrumento (e por vezes o instrumento alheio, mas isto sou eu a especular), num palco dotado de instrumentos musicais, microfones e de um sistema de som funcional.

O que falta aqui?

Sim, provavelmente têm razão, não ficaria mal um bom cabide de pinho no canto ou mesmo um yeti professor de aeróbica em part-time a tratar das coreografias.

Facto:
Eles estão lá - sim senhor.

A minha suspeita:
A vontade de trabalhar realmente - nem por isso.

A solução passa então por ouvirmos o que gravaram previamente num estúdio. Chegamos mesmo a ouvir certos instrumentos que não estão lá e vozes de coristas que ficaram em casa ou foram ao dentista para um tratamento endodôntico. E os virtuosos presentes decidem FINGIR que CANTAM e TOCAM, plenos de sentimento e, na iminência do solo, alguns não resistem a abanar as cabeças e a fechar os olhos em êxtase.

Pois bem, agora a consternação:

Se eu quisesse ver um grupo de totós a fingir alguma coisa eu via um jogo do slb, aí estão 11 a fingir que sabem o que estão a fazer (é só mudar o clube para não se sentirem ofendidos, queridos lampiões - aqui também podem trocar o epíteto por qualquer outro, oh papoilas saltitantes e susceptíveis).

Críticas fáceis e acessórias à parte, apesar de todas as qualidades que se lhes possam ser atribuídas, o meu lado racional e bonzinho (cuja principal função é impedir os insultos que no meu âmago assomam de, basicamente, assomar) leva-me a concluir que as pessoas que recorrem ao bolinhas não devem perceber a figura triste que fazem. Ou então gostam.

Já imaginaram se outros profissionais utilizassem o bigode na sua prática profissional diária?

Esposa de paciente - Sr. Doutor, vai demorar muito até o meu Geraldo voltar a andar de bicicleta?

Doutor - Não se preocupe, a operação foi um sucesso. São os melhores pontos a fingir que alguma vez vi. Mas fazemos assim, se ele tiver dores coloque o dvd e diga-me alguma coisa.

O peculato é ainda usado como meio de ultrapassar maleitas físicas dos cantores, com vista a preservar a sua integridade artística. É frequente repararmos na voz anormalmente rouca ou nasalada do vocalista (excluo desta análise o Olavo Bilac, porque estou a falar de música a sério) quando este responde a uma pergunta dos apresentadores, note-se, com outro microfone - como quem quer retirar as suspeitas de quem pensa que ele cantou mesmo. Nestes casos, até posso concordar com o uso do bolinhas.

Posso? Não, não posso. Se eles não estão aptos a fazer o trabalho deles, não o façam. Ou poupem as vozes para não precisarem do "cdzinho" com a música que vão interpretar.

E aqui está a ressalva para os justos:

Existem ainda aqueles que não têm outra forma de mostrar o seu trabalho senão recorrendo ao bigode; Certos programas televisivos alegam não ter meios de suportar uma interpretação ao vivo e por isso dizem aos tipos para imitar o que fariam se actuassem ao vivo - mas sem suor porque isso dá cabo da maquilhagem. Nesses casos desvio o canhão da minha ira dos músicos e aponto com toda a acuidade para os responsáveis pelos programas.

(Mais uma vez o lado razoável) Deixem de gozar com a inteligência dos espectadores. A sério (seus energúmenos acéfalos e não sei quê - o outro lado).

Decerto haveria muito mais para dizer, mas agora não me apetece. Se quiserem acrescentar algo a isto, ou se ainda estão a digerir a piada inofensiva à filiação benfiq... perdão, aos tipos que gostam dos senhores de verm... perdão, dos senhores de rosa muito escuro, então sintam-se à vontade para se manifestar na zona indicada para o efeito.

Tenham medo. Muito medo.

sábado, março 28, 2009

Dia 68 - Só mais um.

Consequências...

"Hoje o dia nasceu com tempo a menos. Sem mexer um dedo já tinha os pratos do almoço lavados, o jantar a fazer e a mesa pronta para os convidados de Domingo. O destino antecipou-se. Ergui-me a custo da cama para ver o que me reservava a meia hora seguinte.

Não precisei de esperar tanto. Sete bisontes irrompem pela casa de banho, um deles fica para trás para organizar os sabonetes por tamanho, cor e textura. Sorte a dele - só tenho um. Os outros seis encetam num estranho jogo de cadeiras em cima do lavatório. Aquilo vai deixar marca.

Calço um só chinelo para me sentir ambivalente, levanto-me e preparo o pequeno-almoço para a entourage quadrúpede. Recusam com simpatia, estão a tentar cortar nos lactícinios. Cumprimentam-me um a um antes de saírem, estão atrasados para o scrabble em casa do Rovaldo - precisam de munições para a guerra de palavras.

Vou até à janela enquanto trinco uma maçã. Hoje a vista é diferente: tenho um fosso em redor do apartamento, uma ponte levadiça e ao longe vejo grupos de homens equipados de espadas e armaduras, como nos filmes, mas sem princesas para salvar nem o subsequente e dúbio final feliz. Dizem que o tempo voa, mas nunca pensei que voasse para trás.

Para não dar a minha sanidade como um bem extinto, fugi pela conduta de ar condicionado. Mas o meu ar não se condicionava a condutas, o que tornou a fuga mais complicada. Peguei no lápis do Abstracto e desenhei uma meta diferente. Antes de fazer uma linha...


O despertador interrompe-me.


Acordo.

Tristes dias de sonho."

domingo, março 22, 2009

Dia 67 - e agora?

Aurora

"Hoje não vou trabalhar. Dedico tempo demais àquelas quatro paredes. Tenho de limpar a casa. E a cabeça.

A rádio avisa-me que um tornado vem visitar o meu bairro. Se ele conhecesse os meus vizinhos traria pouca bagagem, mas ele tirará as suas conclusões.
Provavelmente perdi a página do livro que indica que devemos agir como idiotas quando algo do género acontece. A pastelaria do fundo da rua fechou quinze segundos após o aviso, os clientes ainda lá estão. O barbeiro e o talhante arrumaram as lâminas e foram para o terraço da funerária pescar salmões num balde amarelo. Da minha janela vejo o profeta da desgraça. Hoje caminha triunfante, munido de um sorriso e de um cartaz que diz 'Eu disse, não disse?'.
Os carros entopem as ruas num bizarro concerto de buzinas sem maestro. Os senhores de azul fazem o que sabem para controlar a turba, mas está difícil.

'Não há algemas para um moinho de vento!' - grita um cidadão.
'Não é um moinho. É um tornado!'- replica outro.
'Qual é a diferença?'- pergunta o vendedor de rifas.
'Um anda à roda e leva com os alucinados em cima. O outro vem aí!' - esclarece o bibliotecário.
'Anda à roda? Tipo a lotaria?' - indaga o motorista invisual.
'Mais ou menos, mas em grande e sem papel' - pronuncia-se o manco.

Não tenho paciência para continuar a ouvir. Dispo o robe e vou tomar banho. O som da água mistura-se com as notícias sobre a massa de vento mas não as dilui. E como será depois? Não é comum preocupar-me com o futuro, porque o presente não tem interesse nenhum, mas um tornado é algo que pode incomodar. Quem dará de beber às dálias no dia seguinte?

Ainda não chegaste mas já incomodas.

Na tentativa de me libertar dos pontos de interrogação, vesti-me e saí. O macaco saltou do armário para cima do meu ombro, quis levar o piano de cauda para passear, mas não deixei. Desci as escadas ao som de Wagner, fechei a porta em mute e parti em direcção à Cave.

'Qual é a senha?'

-'O mundo vai acabar e ainda não sei andar de patins.'

'Em linha ou dos outros?'

-'Em ponto-cruz'

'Entra.'

Uma porta minúscula revela-se na parede, por detrás do poster de uma casa de móveis. Entro. Ao centro três pintores conversam com as suas naturezas mortas, no palco um anão presta o seu tributo ao Lizard King. No balcão o barman ri-se dos avanços românticos do bêbado de serviço à cabine telefónica. O Amor é cego.

A Cave é o sítio para onde vai quem quer pensar sem correntes. Liberais, anarquistas, conservadores, insanos sagrados e profanos formaram aqui uma trégua silenciosa cujos trâmites são apenas do conhecimento de quem a formou. É o Cinzento no mundo a Preto e Branco.

Percorro as mesas sem fixar caras, o meu lugar espera-me ao fundo. Segundos depois, chegam as bebidas e uma taça de amendoins. No meu ombro poisa uma mão familiar:

'Já sabes do tornado?'

Clarissa...

-'Não quero saber, mas fui obrigado.'

'Que pretendes fazer?'

-'Acabar a cerveja, comer os amendoins e arranjar um sentido para a vida. E tu?'

'Dar a volta ao mundo sem sair do teu quarto. Podemos apanhar o próximo ponto de interrogação, que dizes?'

-'Prefiro as reticências, auspiciam mais.'

'Porque foges às perguntas directas?'

-'Quais perguntas?'

O seu olhar lilás encontra o meu. Segura-me as mãos. Estão frias.

'Escuta... os próximos dias podem ser os últimos que conhecemos. Queres perder o teu tempo a falar com as paredes, como um filho bastardo da Amargura, ou preferes perder-te... comigo?'

'Preferia não me perder, o meu sentido de orientação é uma lástima. Clarissa, não temas a aragem, só leva os loucos. E já não há lugares vagos.'

Alimento o bolso esquerdo com amendoins. Levanto-me, despeço-me da mão e do seu belo anexo com um beijo e saio.

Na rua já se sente o vento. Papéis soltos esvoaçam sem dar justificações. A rua está deserta. Ao longe, a música..."

sábado, março 21, 2009

It's alive!!!

Pois é, meus caros... como vai isso? A vida, corre bem? A minha anda, porque apanhou uma subida há pouco e está cansada.

Tenho uma novidade para vocês: Se não me falharem os pés nem as letras, e os dedos não me traírem... vou conseguir fazer um. Um só meu. O meu UM... que pode vir a dar origem a um Dois... Mas não há Um como o primeiro...

Perdoem-me a parvoeira de não nomear o cardinal, mas tenho medo de estragar este abstracto tão bom que será melhor quando for concreto. Como sabem, esta nova e desejada rota não se adivinha fácil, mas antes de pedir o que quer que seja, quero agradecer. A todos os que já comentaram aqui, a todos os que leram, a todos os que não fecharam a janela antes do fim do texto, a todos os que acharam isto parvo e se esqueceram que isto existe, a todos os que me inspiraram, cuja maior parte não me conhece...

Mas acima de tudo a todos os que acompanham a viver a vida com um sorriso. Mesmo que seja emprestado :)

(está quase a acabar a lamechice, é só mais um bocadinho)

...e que este Um seja o ponto de partida.

Espero não desiludir e estar à altura dos vossos olhos.

obrigado.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Dia 66 - vá lá...

Rêve d'Hiver

"Levantei-me, vesti o pijama e fui para a cama. Quando acordei, o dia tinha a Lua e o Sol tomava café com a Ursa Maior. Matei o ponteiro dos segundos para lhe dar descanso e a almofada transfigurou-se em trepadeiras de cetim. Choveu, subi até chegar às nuvens. Um gigante abraçou-me e devolveu-me a galinha, mas tive pena e sentei-me no arco-íris, de onde podia ver a careca ao duende. Ele não gostou e afogou-me em leite magro com chocolate. Chegaram os bombeiros e a senectude foi-se. Fiquei sozinho, novo e molhado. Mais um dia. Igual aos outros.

Fui lavar os dentes e o espelho roubou-me a escova.

-'Falamos depois, estou atrasado.'

O sobretudo salta-me para as costas. Apanho boleia nas asas da Pressa e voo, escadas abaixo e rua acima, aterro à porta do gabinete.

Um forte aroma a flores toma de assalto as minhas narinas. É estranho, a Primavera só chega daqui a uns tempos. Mas a loira não. Com cabelos compridos a cobrirem metade das costas da cadeira, recebe-me às prestações com o olhar reflectido no espelho de bolso. Compõe a maquilhagem como se não precisasse.

'A porta estava aberta...'

Como o óbvio não merece resposta, fiz-me convidado e entrei. Na mesa, uma caneca de café a fumegar e o jornal do dia. Não a conheço mas já estou a gostar.

-'A que devo tão agradável intrusão? Ou melhor, o que a trouxe aqui?'

'O metro. Mas não é altura para piadas, tenho um problema grave.'

Entre dois goles de café contou-me o que se passava: Estava a ser seguida por vendedores de enciclopédias e por um gago com problemas de identidade. A perseguição chegara a níveis absurdos: Ao longo de três semanas recebera guardanapos sujos com as capitais da América do Sul, sem descartar os respectivos indicativos telefónicos.

-'É um caso complicado. Vou ver o que posso fazer.'

'Obrigado. Pode contactar-me através deste número.' - um papel dobrado emigrou clandestinamente para dentro das fronteiras do meu campo visual. Quando ergui os olhos para a porta, estava sozinho. Finalmente.

Não quis que ela soubesse que o caso era de resolução fácil. Bastava um telefonema para as pessoas certas. Não me lixem! A renda não se paga sozinha e além disso o meu Ego precisava de um petisco.

43 minutos depois, caso encerrado. O gago é agora atirador desportivo dos números do Bingo e os outros converteram-se à Iliteracia.

Com o sentimento de dever cumprido, recostei-me na cadeira a ouvir a brisa de fim de tarde... e perdurava o aroma.

Amélie..."

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Dia 65 - o lado "noir"

10 graus abaixo da linha d'água.

"Acordei com um piano de cauda em cima da cabeça, preso no Dó maior. Não foi do álcool, abandonei-o há dias que parecem anos. Tudo me deprime, o cinzento do dia está mais carregado, os miúdos pisam-me os calos do subconsciente quando correm para ir para a escola, as folhas caem das árvores em contra-mão, tudo me grita 'tira férias de Hoje, volta amanhã!'. Até a ironia me abandonou.

Um puto sardento aborda-me com o jornal e um 'Bom dia' que me leva a socá-lo com a psique, mas tenho a misericórdia que o Mike não teve - poupo-lhe a orelha, e vou mudo, de jornal na mão. Para o sítio de sempre. Se ele me quiser e não tiver fugido durante a noite.

Subo as escadas como se escalasse o Evereste. As chaves estão frias e aceitam a custo a entrada na fechadura. A porta range, tenho um quadro torto na parede. Perfeito.

Tive visitas. A janela está partida, os armários estão abertos, já não tenho café e alguém fez o sudoku de ontem. Como qualquer ladrão que se digne, fez o favor de espalhar todos os ficheiros no chão e pintar na parede "Não fui eu". Antes de olhar para o telefone, oiço ao longe o canto da sereia dos senhores de azul.

Sentei-me na cadeira a apreciar o cenário. Devia ter trazido pipocas.

'E então, o que se passou aqui?'

-'Saldos. Mas já chega atrasado.'

'Tens noção de quem possa ter feito isto?'

-'Quem anda no ramo arrisca-se a ficar feito em palitos. Mas quem é que vos chamou?'

'Por acaso ninguém, vinha falar contigo sobre um caso. Tens café?'

-'Na loja.'

'Optimo, vou mandar o miúdo novo.'

Saí pela janela e sentei-me nas escadas de incêndio enquanto os agentes tiravam fotografias ao escritório. Ao longe as gaivotas desenhavam linhas irregulares no horizonte. Em baixo os carros passavam, quais formigas indiferentes à estagnação do mundo, com rumos diferentes mas destino igual. A voz rouca do Comissário interrompeu-me a divagação.

'Queres apresentar queixa?'

-'Ao Karma, por agressão.'

'Tens inimigos demais, um dia...'

-'Devia conhecer os meus amigos. Esses sim, são perigosos.'

'Pois. São imaginários.'

-'Nada é mais perigoso que uma mente inquieta.'

'Essa frase é tua?'

-'É do Universo. Eu só juntei as letras.'

O silêncio imperou durante largos minutos até o café chegar. E então ele disparou:

'Preciso da tua ajuda.'

-'Amanhã falamos. Hoje é um dia com defeito, sem direito a troca.'

'Como todos os outros... até amanhã"

Contei os segundos até o Sol se esconder.




35




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37




... Negro.

Como hoje"

sábado, fevereiro 14, 2009

Dia 64 - enquanto não tenho nome para isto...

E a saga continua...

To be or not Tobias.

"Acordo com 22 badaladas. Dói-me a cabeça e não sei onde estou. Amarraram-me a uma cadeira de vime. No canto um macaco vestido de Charlot toca violino.

Como é que vim aqui parar? A última coisa de que me lembro é estar sentado à mesa, a jogar poker com os cães do Coolidge. O boxer tinha um ás escondido na bochecha, mas apesar da batota, já tinha do meu lado 3 coleiras e a hipoteca da casota do mais pequeno.

Os momentos seguintes são folhas soltas no arquivo do esquecimento. Só sei que agora estou neste cubículo húmido com cheiro a peixe, preso e despojado de roupas. A única luz vem de um pequeno vidro no canto.

'Devias ter ouvido o aviso.'

-'Não falo com vozes que vêm da parede'

'Vá lá.'

-'...'

'Oh anda... já tinha coisas preparadas para dizer.'

-'Ok, desta vez pode ser. Diz.'

'Boa! Cá vai... (ahem!) tu e a tua mania de atrapalhar a minha vida! Sempre intrometido nos meus assuntos, a prender os meus homens, a dormir com as minhas mulheres...'

-'A culpa não é minha. Onde é que arranjaste o macaco?'

'Nos pacotes dos flocos. Enviei dois códigos de barras e escrevi uma frase sobre o Verão. Preferia a flauta de pã eléctrica.'

-'Estou a ver.'

'Mas isso agora não interessa. É a última vez que me incomodas! Vais ficar aí para sempre! Devias ter fugido enquanto tiveste oportunidade...'

-'Mas deste-me 5 dias.'

'Hmmm... pois dei, não me tinha lembrado disso. Mas mudei de ideias e agora apanhei-te! Toma!'

-'Deixa-me adivinhar... e agora a cidade vai ser toda tua, e depois da cidade, o mundo?'

'Não! Quer dizer, se calhar sim, ainda não pensei muito nisso. Mas agora vais morrer!! Ha ha ha ha ha!''

-'Não, não vou.'

'Porquê? Claro que vais!!'

-'Não. E pára de berrar que me dói a cabeça.'

'Desculpa.'

-'Não penses mais nisso. Olha, a conversa não está má, mas tenho frio, por isso vou andando, está bem?'

'Já te esqueceste que estás amarrado à cadeira?'

-'Sim, mas é uma cadeira niilista, logo... não existe.'

'Isso não faz sentido!! Isso é uma cadeira normal!'

-'É a tua opinião.'

Encontrei a porta e saí. O macaco trepou para o meu ombro e começou a tocar Bach.

-'Espero que tenhas dinheiro para o táxi.'

Está um dia mau para se passear nu."

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Dia 63 - e dura, e dura...

(Gosto disto. Acho que vou continuar...)

Migalha de pretérito (quase) perfeito.

"Acordei ontem com o amanhã debaixo da língua. 'Estás gordo' - diz-me o Ego ao espelho. Concordo com ele, mas só hoje. Não tenho paciência para discutir, principalmente quando o meu interlocutor tem este aspecto. Descalço os chinelos, visto o sobretudo e saio.

Devia aprender a conduzir. Dez anos passados, ainda não sei o que fazem todas estas varetas ao lado do volante. Enquanto o carro andar e o rádio se calar quando quero pensar mais alto, tudo bem.

Estacionei numa vala e atirei as chaves ao primeiro desgraçado que por mim passou: "Descansa puto, pior do que está não fica. Vai passear mas não o leves à bola, não quero relva nos tapetes."

Passam duas horas de muito tarde quando chego ao gabinete. "Aposto que não vem ninguém" - digo para os meus botões. Só me responde o das calças, mas não tinha dinheiro nos bolsos suficiente para me convencer. A sabedoria dos botões é insondável. Segundos passados, a porta queixa-se. Tenho visitas.

'Tenho uma proposta a fazer-lhe'

-'Guarde as balas, não falo com estranhos'

'Ainda segues os conselhos dos velhotes? Já não és uma criança...'

A voz pareceu-me familiar. Ergui os olhos do jornal e encontrei um vulto encimado por um fedora - estes chapéus têm o seu quê, um dia alugo um a um manco - não via o rosto, mas a voz...

Aproximou-se com passos largos e imponentes. Não tenho medo, se me matar já não pago o aluguer nem a conta das aulas de macramé. Sentou-se na cadeira como se fosse o dono - se calhar é daí que o conheço - sacou de um cigarro, acendeu-o e deitou-o fora (ao menos poupa os pulmões). Tossiu duas vezes e disse:

'Ainda não sabes quem sou? Esperava mais de ti.'

-'Fazes bem em esperar sentado. E a proposta?'

'Sai da cidade. Aqui sobras.'

Não acreditava nisto, já tinha ouvido falar de ultimatos nas aulas de história, e repetia incessantemente ao espelho "Esta cidade é pequena demais para nós dois" quando era miúdo, armado de uma banana, a la Clint nos western spaghetti, mas este simpático troglodita redefiniu o género.

-'Vou pensar no teu caso. A porta é ali, caso já te tenhas esquecido. A idade tem destas coisas. Já agora, hoje o dia está mau para sagitários. Manda cumprimentos meus ao teu chihuahua, está bem?'

Um riso trocista entremeado a resmungo foi o melhor que ele conseguiu dar como resposta.

'Tens 5 dias.'

Quando cheguei às tiras de BD a porta fechou-se. Na mesa estava um cartão. Deve ter-se esquecido dele. Mas tinha o canto dobrado, era para mim. No pequeno rectângulo, um nome:

TOBIAS

O patife! Oh injúria, oh ignomínia, oh opróbrio! Pensava que, depois das 03:15h de 22 de Maio de 73, ele já não existisse.

Daqui a 5 dias recebo-te com tudo aquilo que mereces. E desta vez não me esqueço dos balões nem da tarte de maçã.

Onde raio estão os meus sapatos?"

terça-feira, fevereiro 10, 2009

Dia 62 - cá vai...

(Não faço ideia de como numerar estes novos episódios, mas para já fica assim. Aceitam-se sugestões)

Um dia de Inverno

"Nevava na bola de neve da minha mesinha de cabeceira. Já tinha visto tantas vezes Paris que achei por bem comprar um texugo. Ele não quis sair de lá, teve medo de abandonar a baguette com quem partilhava um bolso para dois com vista para os Élysées, por isso deu-me este pequeno souvenir, que nevava quando eu queria. Se S.Pedro soubesse processava-me.

Acordei porque estava frio e doíam-me os pés, descobertos há 30 anos no mesmo sítio onde o tempo me achou. O cheiro a tabaco e a whisky habitavam o meu guarda-roupa. "Deve ter sido do encontrão que o chapeleiro me deu ontem quando ia para o ténis." - pensei. Mas não havia tempo a perder com lamúrias, era hora de voltar ao quartel-general da minha solidão.

Despedi-me de casa sem deixar um bilhete - ela sabia que voltaria - e fui para o meu escritório, abraçado ao sobretudo. Dois "olás", um "desculpe" e sete "com licenças" depois, estava sozinho.
Abri o jornal de Setembro para saber do basebol. "Não é desta que percebo as regras", deitei-o fora. Ao canto, o velho vinil do "Sammy" repetia insistentemente a mesma música. Pelo menos era isso que o vizinho dizia. Nunca gostei dele, por isso não liguei.

Ela bateu à porta.

Duas vezes.

Três.

Quatro.

A porta, masoquista, devolveu-lhe os afectos até a porteira os separar.

'É a terceira vez esta semana, rais' parta! A senhora, quer falar com o senhor?'

O gemido parecia confirmar-lhe as suspeitas.

Negra como um trovão em noites de platina, inundou com a sua sombra o deserto dos meus sonhos.

-'Que queres?'

'...'

-'Se as respostas não estão contigo, a saída espera-te.'

'Não te lembras de mim?'

-'O filho não é meu.'

'Não é isso, olha bem para mim!'

-'O vermelho fica-te bem, mas prefiro o preto e branco. É mais variado'.

'Isto é fucsia'

-'Fuc...U2'

'Eu até gosto deles, mas deixemo-nos de conversa...'

-'Muito bem. Adeus'

Antes de regressar aos quadrados do sudoku um sapato atingiu-me as têmporas e derrubou os 5 e os 3. Facilitou o jogo, mas a concentração já era. É por isso que não bebo água.

-'Calço o 42, mas obrigado na mesma. Podes mandar o outro?'

Por uma questão de respeito, prefiro omitir a panóplia de palavras meigas com que fui baptizado. No reino da verborreia, ela seria Rainha. Eu seria o cavaleiro que saiu 15 anos antes, para comprar tabaco.

Três horas depois, calou-se, respirou fundo e contou-me o que se passara. Nove palhaços roubaram-lhe os trinta gatos e fugiram num micro-Carocha laranja, pouco maior que o seu congénere de linhas. Deixaram-lhe apenas o mais feio, por este se recusar a ir na mala.

Apontei o caso na agenda, liguei aos palhaços e disse-lhes para devolverem os felinos e não deixarem o meu contacto em casa das pessoas que assaltam. O funâmbulo concordou.

Lágrimas de ternura eram evidentes no seu rosto de ébano quando me ouviu terminar a conversa. Deu-me a mão direita e eu devolvi-lhe o sapato.

"-Dedica-te aos bonsai. São mais fiéis."

"Não percebo japonês"

-'Compra um com legendas. Ou radicado aqui'.

Há dias em que devia ficar na cama e tapar os pés."

domingo, fevereiro 08, 2009

Dia 61 - Fazendo desligado

Tenho pensado muito (o que é perigoso) em continuar com as aventuras do detective que vos apresentei no dia 56. Acho que tem potencial para ser alguma coisa.

Posso vir a enganar-me (leia-se "De certeza que não vai ser nada de especial"), claro, mas não custa nada tentar. E como sou um benemérito e um idiota que começa frases com "e", quero que me acompanhem no processo de criação do coisinho, porque acho que já perceberam que não faço a mínima ideia de onde me vai levar este texto e como tenho medo, preciso de companhia, por isso vá lá, digam que sim, ou melhor, continuem a andar com os olhinhos para a frente e façam de conta que eu sou um tipo simpático que, apesar de não ter ainda um ponto final decente para acabar esta frase que já deveria ter acabado, só por começar por "e", e ainda por cima por abusar da vírgula só para poder respirar, o que é um desperdício de oxigénio, diga-se de passagem, porque são os dedos que escrevem e esses não se queixam quando estão debaixo de água, apesar de ficarem um bocado enrugados, mas as rugas acontecem a toda a gente, é da idade, e do colagénio que não está lá, enfim, são coisas da vida, por isso vamos seguir em frente e pensar em coisas positivas, como cãezinhos bebés e pandas . <--- tardio mas necessário


"Making of" - Ui, o que isto já vendeu só de ter um "making of". Projecto que é projecto tem de ter um "making of" para ser credível. Seria tremendamente espectacular se as mães, ao invés de mostrarem as nossas fotos de bebé quando levamos alguma amiga a casa, mostrassem o nosso "making of". Como não tenho dinheiro para pagar a terapia necessária para curar este pensamento, vou mudar de assunto.

Vamos lá ao que interessa.

Ponto 1 - Que nome dar ao tipo? - Eu até vos pedia para darem sugestões, mas quase ninguém comenta neste estaminé por isso não seria muito eficaz.

Pronto, não fiquem tristes, foi sem querer, já passou. É um desabafo, tenho dias assim, não levem a mal...

Eu sei, também gosto de vocês, os que não comentam. Menos de ti, claro. E de ti, até já gostei mais...

Vá, damos um abraço e fazemos as pazes?

Pronto... deixa lá...


(Palmadinha nas costas.)

Parecendo que não, o nome do protagonista é uma coisa importante. Ás vezes não, outras vezes sim, depende, não é? É como em tudo... Mas convém que o tipo tenha um nome. Já sei, para já faço a primeira história sem ter referências directas ao nome do tipo, e se entretanto tiver uma ideia catita ou alguém a sugerir na zona indicada, eu baptizo o detective e está feito, não se pensa mais nisto.

Ponto 2 - Vilões?
Ter um arqui-inimigo é a pasta de dentes da escova da vida. Vá lá, pelo menos para uma personagem de ficção tem de existir alguém contra qual - e porque não para quem, numa inesperada mudança dos acontecimentos - o senhor trabalhará. A questão maior é se será apenas um, ou vários, que vão dando o seu contributo para animar o dia do senhor. É um conceito a pensar, depois vê-se.

Ponto 3 - Companheiros/Amigos/Assalariados que aparecem
Os detectives são geralmente personagens solitárias, mas dá jeito ter alguém diferente por perto, para quiçá acrescentar uma perspectiva diferente dos acontecimentos, ou então para morrerem em vez do herói, como acontece com os amigos do Jack Bauer no 24 (se ele diz: "Cover me" - Já foste.).

Ponto 4 - Mulher/Paixão/Etc que chateia
Neste tipo de histórias, é comum a presença da femme fatale. A questão é semelhante à dos vilões, ou seja, será melhor ter uma ou várias, tipo Bond girls?

Ponto 5 - Características do protagonista
Como isto é feito de improviso, acho melhor mostrar as características do tipo à medida que me dão jeito. Só espero não ser incoerente e pô-lo a dançar as sevilhanas após afirmar que ele não costuma usar cachecol.

Ponto 6 - Por onde começar?
Esta parte é a que, na minha opinião, interessa mais. E creio que a resposta não está em nenhuma planificação em concreto. Já que estamos nesta cena juntos vou ser sincero; sempre que penso em cumprir algo à risca, no que diz respeito a esta coisa da escrita, não consigo fazer algo que me deixe completamente satisfeito. Parece que custa mais, por isso não vou por uma trela na imaginação. Escrevo agora, corrijo-me depois.

Conto com vocês para me ajudarem nisto e dou-vos a minha palavra que se isto se transformar num êxito intergaláctico, na onda do pão de forma ou das molas da roupa, terão um agradecimento só para vocês e uma cópia autografada por moi, seguida de uma massagem nas costas.

Uma última palavra para quem só chegou agora --> urdidura.

quinta-feira, janeiro 29, 2009

Dia 60 - o fim não vai ser muito bom

Sabem o que me faz confusão? Aquelas pessoas que começam os textos com uma pergunta. Mas há algo que me irrita mais que isso: os comentadores.

Hoje há comentadores de tudo e mais alguma coisa, e nem vale a pena enumerá-los, porque são muitos. De entre a vasta lista cuja preguiça me impediu de criar, gostava de abordar, para não dizer "comentar" (embora seja exactamente isso que vá fazer, assumindo automaticamente o papel daquilo que critico, por isso não me chateiem que isto também vai contra mim) - pausa para respirar e ler o que estava antes dos parêntesis - sobre os comentadores da imprensa dita "cor-de-rosa".

Ora, isto começa mal logo no nome. "Imprensa cor-de-rosa" - Uma cor só para eles? Provavelmente foi escolhida por um daltónico, porque esta imprensa só fala de divórcios, crimes, traições, operações, novos casos, alegados casos, casos antigos, caras de caso, caso-ou-não-caso, etc... acho que não combina com cor-de-rosa. Mas não se fiem em mim, não percebo muito de decoração de interiores.

Para que os senhores da imprensa não fiquem tristes sou da opinião que apareçam imprensas de outras cores. Há muito trabalho a fazer nesta área, as Páginas Amarelas não bastam.

Mas isto não interessa.

Quem também não interessa são os já referidos cronistas do jet-set. Se isto começou mal com o nome, continua mal com a expressão jet-set. Sejamos realistas, Portugal não tem jet-set. Não temos dinheiro para isso. O melhor que se arranja são os tipos que são famosos pelo trabalho que fazem, pessoas essas que geralmente estão ocupadas demais para aparecer em festas e outras, convenhamos, paneleirices. Há ainda os outros que são famosos por... por... bem, eles são conhecidos porque... pois, não sei porque é que são. Mas com isso eu até vivo bem: há idiotas em todo o lado, conhecidos e anónimos.

O que me irrita realmente são os comentadores. Chegam mesmo a ser um caso de saúde plúbica: Já apanhei 2 gripes à conta da quantidade de vento que circula quando um deles abre a boca.

Há pouco pesquisei na wikipédia o termo "jet-set", o que me trouxe, entre outras coisas, uma lista na qual figuram algumas das pessoas que compõem o jet-set nacional. Sim, que isto é tipo uma associação, e como tal, é preciso responder a determinados requisitos:

1 - "Não trabalhar, isso é só para o Maior" - nem sei se será preciso dizer, mas essas pessoas destacam-se por conseguirem dar nomes catitas ao acto de não fazer nenhum. Não gosto disso porque, sendo eu um empresário do ócio em nome individual, detesto concorrência.

2 - "Ter um nome moderno, ou vá lá, estúpido" - Ele há Tita's, Biba's, Cinha's, Lili's, Maya's, Mituxa's, Pimpinha's, e outras Inha's, o que vem reforçar a ideia de que para ser VIP temos de ter um diminutivo, nem que seja feito a partir de um diminutivo prévio. Porque é obrigatório que tenha pelo menos um "I" lá no meio. Quanto aos X, Y e Z, letras que estão juntas no fim do alfabeto são mais fáceis de decorar, o seu uso é facultativo, mas só para dar estilo a um nome banal - Nada de Josefa Marília Antunes, Josy de Antunes é que funciona. Como aquelas empresas cujo nome é fruto de uma estranha fusão do nome dos proprietários "Enlatados BOMALDEL" - empresa de Maria, Aldomiro e Elmano. O B? É do Bobi, o cão de guarda.

3 - "Ter ou ter tido um caso com alguém rico e/ou estrangeiro". - Pessoalmente não tenho muito contra isto, se têm de fazer pela vida sem trabalhar, o melhor é escolher capital de fora, mas o que me irrita é o facto de insistirem em ficar cá. Emigrem, têm todo o meu apoio.

4 - "Ter alguma coisa para dizer, desde seja absurdo e oco" - John Donne escreveu um dia que "Nenhum homem é uma ilha", mas todo o VIP é filósofo. Um filósofo mau, claro, mas um filósofo, de qualquer das formas. Porquê? Porque amam a sabedoria e o conhecimento. Dos outros, por não terem nenhum de ambos. Quem não recorda o mítico hino à vida "Estar vivo é o contrário de estar morto."?
Vip que é Vip tem também de ter uma crónica num sítio qualquer. Seja num jornal, numa revista ou qualquer publicação periódica, eles têm de espalhar a palavra sobre o último happening, a mais recente vernissage ou outro estrangeirismo que eles se lembrem de escrever. Eu sugeriria que, dada a crise internacional e as preocupações ambientais da actualidade, pensassem em poupar as árvores e escrevessem as suas observações em rolos de papel higiénico. Assim sempre teriam alguma utilidade.

5 - "Aparecer." - É o fundamental, quando tudo o resto falha. Seja numa festa ou a cortar carne do lombo para assar, o Vip tem de ser fotografado. O relacionamento dos Vips com os fotógrafos é algo de atribulado, mas é vital. Um micro ciclo da vida, se preferirem. Os Paparazzi tiram fotos aos vips, vendem-nas às revistas, que por sua vez dão o espaço ao Vip para aparecer a falar das fotos.

E o que é que alimenta estes parasit... perdão, estes seres humanos com direitos, é a curiosidade do cidadão comum. E a curiosidade é uma vaca de dois legumes, ou melhor, uma faca de dois gumes. Tanto nos pode incitar a evoluir nos campos da ciência e outras áreas que potenciam o desenvolvimento da sociedade, como nos pode levar a comprar uma revista com fotos da Lady Betty e o marido.


Ser estranho, o Homem.




Ser mais estranho, a Porteira.





Tenham medo. Muito medo.

quinta-feira, janeiro 22, 2009

Dia 59 - (Não) Quero ouvir!

Olá gente bonita, hoje cheiram particularmente bem. Isso é o quê, baunilha? Então não gosto. Mas vamos ao que interessa, pois então. Hoje vou falar sobre um recente fenómeno que tem muito de irritante e nem tanto de recente. O karaoke. Eu não nutro particular afeição sobre o karaoke. Porquê? Porque aquilo irrita-me, pronto.

Se o caro e perfumado leitor tem a felicidade de nunca se ter cruzado com este aparelho, ou como alguns lhe chamam, o "coisinho", então vou tentar explicar o que é o karaoke: É uma coisa que leva uns dvds lá dentro que passam a música sem a voz e apresenta como legenda a letra da música, convidando o participante a cantar a música em vez do vocalista, esse senhor que, com a excepção do Tom Waits e do Olavo Bilac, sabe cantar. No fundo do cenário com as letras aparecem paisagens, pessoas a passear à beira mar, qualquer coisa, desde que não tenha absolutamente nada a ver com a música. E é isto. Se forem à wikipédia encontram uma definição com base na raíz etimológica da palavra, mas não vale a pena.

O problema dos estabelecimentos que têm karaoke é - existirem? Bom palpite, mas quem está a escrever sou eu, por isso aninhem-se aí a um canto e leiam - que à entrada dão, por norma, um cartão de consumo. Não dão um microfone, por isso não somos obrigados a ir cantar. Mas o nosso corpo já vem equipado de fábrica com uns aparelhos de captação de som denominados de ouvidos. Claro que alguns até funcionam mal, outros até nem funcionam, infelizmente, mas se estamos num destes sítios, é nesta altura que pedimos ao Maior que nos forneça um botão de "mute". Porque há uma elevada probabilidade de estar alguém a cantar, perdão, a emitir um som parecido com o guincho de um besugo a ser violado por um Boeing 747. Não, por um TGV, às vezes confundo os dois sons. E nós temos de ouvir isso.

Neste momento ocorrem-nos dois pensamentos:
1 - Onde é o bar?
2 - Se eu atirar com esta cadeira aos olhos do tipo, será que alguém nota? - e então vemos o petroleiro com braços e pernas que se encontra à porta, e mudamos de ideias.

- E o que nos leva a entrar num bar, sabendo que por lá subsiste o karaoke?
O facto de termos amigos. E os nossos amigos apoiam-nos, aconselham-nos, divertem-nos e divertem-se connosco, resumindo, são nossos amigos, mas raios, alguns deles gostam de cantar em público. Ok, eu também gosto de cantar, mas quando oiço rádio no carro, ou quando estou sozinho a escrever disparates num qualquer blog, ou então na banheira. Um dia hei-de tentar perceber porque é que gostamos de cantar na banheira. Há qualquer coisa em estar nu, com champô nos olhos, num sítio húmido que faz eco que nos leva a cantar, mas ainda não sei bem o quê. Adiante com o texto.

E lá estamos nós. Sentados num sítio escuro - sim, porque bar que é bar tem de ser escuro, deve ser uma forma de parecer acolhedor. Ou então uma forma de esconder as nódoas do sofá onde estamos - a ver o indivíduo com o micro a assassinar qualquer música, talvez a "Canção do mar" da Dulce Pontes, ou o "Papel principal" da Adelaide Ferreira, ou qualquer coisa do Pedro Abrunhosa ("Ok, se ele fala, eu consigo fazer melhor"). Porque existem aquelas músicas típicas de karaoke. Quase de certeza que as vamos ouvir naquela noite, talvez até mais do que uma vez. É a chamada "tortura selectiva". Voz desafinada + criatividade microscópica = cliente habitual do karaoke. Creio que secretamente desejam que o cantor os encontre e os convide para fazer parte da banda, ou então que lhes pague para nunca mais fazer aquilo à música dele. É provável.

Nestas situações podemos sempre contar com o álcool. Além de desinfectar feridas, ainda ajuda a tolerarmos aquilo. Não estou de forma nenhuma a advogar o consumo de álcool. Ok, talvez um bocadinho, mas é sem querer, por isso não conta. A verdade é que, depois de uns copos, talvez levados pela euforia de quem gosta daquilo, lá estamos nós a bater palmas e a cantar em coro o refrão. E eventualmente vamos buscar o livrinho com as músicas. E escrevemos no papelinho o nome de uma das musiquinhas, seguido do nomezinho dos tipos que vão para lá cantá-la (o karaokezinho adora os diminutivos, mas só um poucoxinho). E antes de percebermos, estamos a caminho do palco, com mais gente, de preferência, para cantar alguma coisa.

O que é que aconteceu? Pois, não sei. Mas vou tentar adivinhar a razão: Talvez por estarmos habituados a ouvir a nossa voz vamos para lá, para evitar que mais alguém nos torture e para lhes darmos a provar o próprio veneno. Como a ignorância é uma benção, deixem-me acreditar nisto um bocadinho.



Pronto, já está. De volta à realidade.


Quer se goste quer não, o karaoke é um fenómeno de popularidade. Tudo bem, mas nem tudo o que é popular é necessariamente bom. Vejam o exemplo da Inquisição, juntava muita gente, mas no fim alguém saía queimado.

(Pestanejem várias vezes, vão ver que a última frase não aconteceu)

Hoje em dia, alguns artistas fazem edições dos seus álbuns com faixas em karaoke, para obedecer ao gosto da população... ok, sejamos sinceros, é mesmo para vender, que isto anda mau para todos, e a crise e não sei quê, e valha-nos o menino Jesus nas palhas deitado, nas palhas estendido, e esses gajos que governam só querem é poleiro, se fossem mas é trabalhar é que era, haviam de apanhar todos os dias três autocarros e dois metros para ir para o trabalho, para ver o que custa os bandidos... patifões, é o que são.

... já passou.

E isso vende, há pessoas a gastar o seu guito para ter em casa uma música inteira sem a voz do artista. Compreendo em parte, porque há artistas que cantam mal, mas para isso há uma solução mais eficaz: Não ouvir o senhor. Eu acho que os músicos deviam incluir um endereço de e-mail nesses álbuns a dizer: "Se acha que consegue fazer melhor, grave a sua versão e envie". A melodia pode ser boa, e eu prefiro acreditar nesta hipótese a crer que as pessoas compram aquilo para cantar em casa. Acima de qualquer pensamento estratégico que possa haver por parte das editoras, é de salientar a preguiça do cantor:
"Eu gostava de incluir neste álbum uma parte em que todos mostrem o seu melhor. Assim uma cena que valha a pena ouvir. Por isso vou ficar calado e depois pomos umas legendas com aquilo que era suposto eu dizer. Até dá para os cidadãos que não conseguem ouvir. Era giro vê-los nos meus concertos a abanar as mãozinhas, que é como eles fazem quando querem bater palmas... é é, que eu sei."

Para concluir, meus fofinhos, vou deixar uma possível teoria da conspiração que explique o porquê da popularidade do karaoke. Não vai fazer sentido, vai ser parvo, mas já sabem, daqui não podem esperar grande coisa. Cá vai:
O karaoke é, como a palavra abracadabra, uma junção de vários termos em pagão antigo com toques de pagão moderno, polvilhado com estrangeiro em cima, que depois vai a dourar meia hora no forno até cheirar a alho, cujo significado é "Torturo-te agora, para torturares depois". Ou é isso ou é "Ontem comi um yogurte que me fez mal".

Para todos os que costumam frequentar as festas de karaoke, parabéns, vocês são uma prova da liberdade de expressão. Pode não ser bonito o que vos sai da boca, mas não é proibido. O que me deixa intrigado: Porque é que o karaoke é popular na China?

(Ok, lá é fácil ser popular, até a República é...)

Beijinhos e já sabem que gosto muito de todos vocês. Menos de ti. E de ti, que cheiras a baunilha.

Encontrei este provérbio na internet: "A cabeça de besugo come o sisudo, e da boga dá a sua sogra" - Mas que raio é que isto quer dizer?

Não vale a pena tentarem explicar, porque já é tarde e pode aparecer o Papão. Ou o filho dele, o Papinho.

Tenham medo. Tenham muito medo.

(Abanar as mãozinhas, que é como quem bate palmas)

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Dia 58 - Este também não vale a pena ler..

Estou chateado. Quero por este meio (sem esquecer o princípio e o fim) declarar que não gosto da Internet aqui de casa. Não há volta a dar, se isto fosse um filme de Domingo à tarde, esta seria a altura da música triste e do retirar do anel do dedo, seguido de um arremesso do dito para o chão. Não gosto e pronto, não vale a pena falar mais disso. Se eu fosse um tipo famoso esta seria a altura em que lançava um repto a apelar uma net em condições, repto esse que receberia inúmeras propostas, de elevado grau de "catitice" e que me levariam a publicar mais tarde um sentido agradecimento à dita empresa que me fornecesse o novo e melhorado serviço de internet que me dava novos motivos para ser feliz e salvar as baleias e bla bla bla bla tretas tretas tretas. Como não sou famoso, vou saltar este assunto e falar de outra coisa.


Não compreendo a cena das resoluções de Ano Novo. Posso tentar compreender, e até existem alguns argumentos com validade, mas hoje quero implicar com alguma coisa, deixem-me lá.

As pessoas esperam pelo começo do novo ano para fazerem coisas que podem começar naquela altura. "Para o ano vou deixar de fumar" - Por falar nisso, eu não fumo. Mas já me passou pela cabeça começar a fumar para depois deixar, porque os meus amigos que deixam de fumar dizem que se sentem fantásticos - respiram melhor, sentem-se bem, têm mais dinheiro no bolso. E isso dá jeito (sim, a lógica é parva).

"Para o ano não vou deixar nada por dizer",
"Para o ano vou deixar de atropelar o gato do meu vizinho",
"Para o ano vou entrar num ginásio e ficar lá mais do que a meia hora em que pago a primeira mensalidade",
"Para o ano", "Para o ano"... porquê apenas "para o ano"? Não dá para fazer neste? Dezembro também conta, também merece alguma coisa. O "ano seguinte" tem 365 dias e uns trocos, é um facto. Se as resoluções forem postas em prática a partir do momento em que são tomadas, ficam com o esse ano todo e ainda mais uns dias para mudar de vida. Matemática simples.

E sempre evitamos aquele ritual estúpido das 12 uvas passas ao soar das doze badaladas, no qual cada passa simboliza um desejo.

Não é a primeira vez que passo os primeiros momentos do ano engasgado com fruta fora do prazo. E isso não é a melhor maneira de começar um ano.

Há ainda um problema associado às resoluções de ano novo: Sabemos que a grande maioria não vai ser cumprida. E é óbvio que a culpa não é nossa. É do sistema, ou das circunstâncias, ou das circunstâncias do sistema. Pessoalmente acho que a culpa é de teimarmos em fazer resoluções.

Como estou sem grande inspiração para continuar a disparatar, vou dizer apenas que neste ano espero poder voltar aqui mais vezes. Para escrever coisas decentes, o que é mais complicado.
Se se lembrarem de algo extremamente parvo, deixem-no na zona indicada para o efeito. Um dia hei-de de identificá-la como tal. Para o ano, talvez... ou não.

- Por falar em coisas estranhas, este ano o Dakar é na Argentina. Para o ano estão a planear fazer o rally na Antárctica, todo em patins de gelo. -

Eu sei... fraco, com vento de noroeste e ondulação a rondar o valor mais baixo e o mais alto.

Tenham medo. Muito medo.

Mas não tenham passas.